Desde o advento da Constituição Federal de 1988, houve uma transformação no conceito de família, em que o foco na afetividade, na estabilidade das relações e na solidariedade social é evidente. Essas mudanças têm implicações jurídicas, especialmente em questões relacionadas à sucessão e direitos previdenciários.
A seguir uma análise dos especialistas da Jackson Sondahl de Campos | Advogados. Boa leitura.
A evolução do conceito de família
Antes de adentrar nas consequências jurídicas, é essencial compreender como o conceito de família evoluiu ao longo do tempo. O Código Civil de 1916, por exemplo, adotava uma visão restrita de família, baseada em laços biológicos e matrimoniais.
No entanto, a Constituição Federal de 1988 inovou ao prever novos modelos familiares, reconhecendo a união estável e a família monoparental. Essa mudança marcou o início de uma era na qual a afetividade passou a ser vista como um elemento essencial na formação de entidades familiares.
Portanto, a visão clássica, baseada em vínculos biológicos e matrimoniais, cede espaço para uma concepção mais aberta, na qual o princípio da afetividade ganha destaque.
Afetividade como princípio orientador
O princípio da afetividade se traduz na ideia de que as relações familiares não são estritamente definidas por laços biológicos ou matrimoniais, mas também pelo afeto e pela comunhão de vida entre as pessoas envolvidas.
Isso significa que os tribunais reconhecem a formação de entidades familiares a partir de laços afetivos, independentemente da estrutura tradicional.
Consequências jurídicas nos novos arranjos familiares
A evolução do conceito de família com base na afetividade tem implicações significativas no âmbito do direito sucessório e previdenciário. Abaixo, algumas das decisões jurídicas mais relevantes:
Reconhecimento de avós como pais
Uma decisão emblemática proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) diz respeito ao direito de avós receberem pensão por morte após o falecimento do neto que criaram. O tribunal considerou que, se os avós desempenharam o papel de pais na vida do neto e estabeleceram uma relação de afeto e dependência econômica, eles têm o direito legítimo de receber benefícios previdenciários.
“Tanto a Constituição de 1988 quanto o Código Civil de 2002 transformaram o conceito de família e deram relevância ao princípio da afetividade, por meio do qual o escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social para a realização das condições necessárias ao aperfeiçoamento e ao progresso humano, regido o núcleo familiar pelo afeto”.
Ministro Mauro Campbell Marques.
Guarda em favor de ascendentes
O STJ também reconheceu a possibilidade de concessão de guarda em favor de avós quando estes já exerciam as funções típicas dos pais, com a concordância dos genitores.
Isso reforça a ideia de que a afetividade e a estabilidade das relações socioafetivas são elementos cruciais na definição de uma entidade familiar. A guarda em favor de ascendentes pode ter implicações diretas em questões de herança e sucessão.
Impenhorabilidade de bens de família
Em caso mais antigo, de 1998, a Quarta Turma reconheceu como moradia familiar uma casa em que moravam apenas irmãos solteiros. Reconhecendo-os uma entidade familiar, tornando-os elegíveis para a proteção legal de impenhorabilidade de bens de família.
“Se os três irmãos são proprietários de um apartamento e ali residem, esse bem está protegido pela impenhorabilidade, pois a alienação forçada significará a perda da moradia familiar”,
Ministro Ruy Rosado de Aguiar (falecido)
O STJ também analisou a situação em que sogros residem em um imóvel emprestado por um de seus filhos. Neste caso, o tribunal reconheceu que os sogros podem ser considerados parte da entidade familiar, tornando o imóvel impenhorável para o pagamento de dívidas.
Isso demonstra como a ideia de família se estende além da habitação conjunta e valoriza os laços afetivos e a solidariedade social.
Famílias formadas por pessoas do mesmo sexo
O STJ reconheceu a possibilidade de que famílias sejam constituídas a partir do casamento ou da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Essa decisão é um marco na igualdade de direitos para todos os tipos de famílias, independentemente da orientação sexual.
Em relação ao casamento, aprovado pela Quarta Turma do STJ em 2011, o relator do caso na época destacou à época que, a partir da Constituição de 1988, inaugurou-se uma nova fase do direito de família.
“Baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar, em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado ‘família’, devem todos esses arranjos receber a proteção do Estado”.
Ministro Luis Felipe Salomão.
O princípio da afetividade desempenha um papel crucial na evolução do conceito de família atualmente. Isso tem consequências significativas no campo do direito sucessório, heranças e inventários.
Como advogados especializados nessa área, é essencial compreender as mudanças legais e jurisprudenciais que reconhecem os novos arranjos familiares e a importância da afetividade na definição de quem faz parte de uma família.
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